Da Responsabilidade do Estado por atos dos seus agentes
Inicialmente, deve-se discorrer sobre a responsabilidade do Estado por ato de seus agentes, eis que objetivamente disciplinada no artigo 37, 6º da CR, in verbis:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Nesta esteira, as lições extraídas dos julgados do Supremo Tribunal Federal, que reafirmam as circunstâncias em que a responsabilização do ente estatal é inafastável, conforme se depreende do acórdão extraído do Agravo em Recurso Extraordinário, da lavra do Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, assim ementado:
Trata-se de agravo contra decisão que negou seguimento ao recurso extraordinário interposto em face de acórdão assim ementado: REMESSA NECESSÁRIA. APELAÇÃO CIVEL. DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. ATO COMISSIVO. PERSEGUIÇÃO POLICIAL. COLISÃO DO VEÍCULO CONDUZIDO POR MELIANTE CONTRA AUTOMÓVEL CONDUZIDO PELO COMPANHEIRO DA AUTORA. ÓBITO OCASIONADO PELA CONCORRÊNCIA DE ATIVIDADE REGULAR DO AGENTE ESTATAL. EXCESSIVO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL. DANOS E NEXO DE CAUSALIDADE COMPROVADOS. INDENIZAÇÕES DEVIDAS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS MANTIDOS. RECURSO IMPROVIDO. REMESSA IMPROCEDENTE. 1.A responsabilidade civil objetiva do Estado, na forma do art. 37, § 6º, da Constituição Federal, configura-se, com base na teoria do risco administrativo, quando haja fato imputável à administração, concretizado por agente público, danoso a terceiro. O Estado demandado apenas se desonera do dever de indenizar caso comprove a ausência de nexo causal, ou seja, prove a culpa exclusiva da vítima, caso fortuito, força maior, ou fato exclusivo de terceiro.2. Na hipótese, não obstante o cumprimento do dever legal por parte dos agentes públicos, no exercício da atividade policial deve prevalecer a preservação de bens jurídicos superiores como a vida de terceiros em detrimento de patrimônio individual. O combate à criminalidade deve ocorrer com inteligência informacional e prevenção, risível supor que perseguir um carro em altíssima velocidade no meio de uma Rodovia Federal como a BR-101, principalmente no trecho entre Serra e Ibiraçu, conhecido pela periculosidade em razão de sua topografia e do trânsito intenso, resultaria em algo diverso do acidente ocorrido. Com efeito, entre o dano (óbito do genitor da Apelada decorrente de abalroamento por aquele que exerceu manobra furtiva da perseguição policial) e a ação administrativa (perseguição policial) há nexo de causalidade (a atuação de confronto dos agentes do Estado com o agente criminoso foi causa do dano). 3. É pacífico o entendimento de que a perda trágica e repentina de um ente querido é fato suficiente para ensejar a condenação em danos morais, por ser plenamente presumível que a angústia e a dor causadas pela ausência do falecido são sentimentos essencialmente subjetivos e que afetam exclusivamente o patrimônio real do indivíduo, uma vez que será privado para sempre da presença afetiva e do convívio daquele. Precedentes do STJ: Os danos morais causados ao núcleo familiar da vítima, dispensam provas. São presumíveis os prejuízos sofridos com a morte do parente. (REsp 437.316/MG, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/04/2007, DJ 21/05/2007, p. 567). 4. Danos morais arbitrados em R$ 30.000,00 (trinta mil reais) acrescidos de juros legais e correção monetária, incidentes, respectivamente, a partir do evento danoso (Súmula 54 do STJ) e de seu arbitramento (súmula 362 do STJ). 5. Remessa Necessária. O colendo Superior Tribunal de Justiça editou inclusive a Súmula 387, com o seguinte enunciado: “É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral”. No caso em apreço os danos estéticos visam compensar a Apelada devido as sequelas do acidente consistentes na debilidade parcial permanente de membro inferior direito, além de diversas cicatrizes no abdome, região torácica direita e região glútea, tudo nos termos do laudo de fl.144, razão pela qual tem se por escorreito o montante de R$ 50.0000,00(cinquenta mil reais) fixado na sentença, que deverão ser acrescidos de juros legais e correção monetária, incidentes, respectivamente, a partir do evento danoso (Súmula 54 do STJ) e de seu arbitramento (súmula 362 do STJ). 6. Pensionamento devidamente fixado pelo julgador primevo, que corresponde ao percebimento pela Autora de 2/3 do salário-mínimo vigente, tendo como termo inicial a data do evento danoso, ou seja, 28.01.2009, e o termo final a data em que a vítima completaria 65 (sessenta e cinco) anos, ou seja, 25.06.2037. 7. Segundo o entendimento consolidado pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, em julgamento pelo rito dos recursos repetitivos, previsto no art. 543-C do CPC, ‘vencida a Fazenda Pública, a fixação dos honorários não está adstrita aos limites percentuais de 10% e 20%, podendo ser adotado como base de cálculo o valor dado à causa ou à condenação, nos termos do art. 20, § 4º, do CPC, ou mesmo um valor fixo, segundo o critério de equidade’ (REsp 1.155.125/MG, Rel. Ministro Castro Meira, Primeira Seção, julgado em 10/03/2010, DJe 06/04/2010). Na espécie o julgador primevo ponderou de forma adequada na fixação de honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, remunerando, assim, condignamente o trabalho do patrono da parte Apelada. 8. Deixa-se de aplicar os honorários recursais, a teor do previsto no artigo 85, § 11º, do CPC/2015, por entender que a norma é de natureza híbrida, de caráter processual e material, devendo incidir, portanto, o regramento vigente ao tempo da publicização da decisão recorrível (CPC/1973), consoante o enunciado administrativo nº 7, publicado pelo Superior Tribunal de Justiça, no dia 17/3/2016. 9. Recurso conhecido e improvido. Remessa improcedente (págs. 3 e 4 do documento eletrônico 7). No RE, fundado no art. 102, III, a, da Constituição, sustenta-se, em suma, violação do art. 37, § 6º, da mesma Carta, sob argumento de que o recorrente não é responsável pelos danos causados à autora. A pretensão recursal não merece acolhida. O tribunal de origem, com base nas provas dos autos, consignou a responsabilização do Estado recorrente pelo dano causado à autora, que não se desincumbiu do dever comprovar a ausência de nexo causal. Desse modo, para divergir do acórdão recorrido e verificar a procedência dos argumentos consignados no recurso extraordinário, seria necessário o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, o que é vedado pela Súmula 279/STF. Nesse sentido, destaco os seguintes julgados: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. CONSTITUCIONAL. RESPONSABILIDADE DO ESTADO. ATO PRATICADO POR POLICIAIS MILITARES. NEXO CAUSAL. DANO MORAL. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DE PROVAS. SÚMULA N. 279 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. CONTRARRAZÕES NÃO APRESENTADAS. MAJORAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA: IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO (ARE 962.558-AgR/PR, Rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma). AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. PUNIÇÃO INDEVIDA. DESCONSTITUIÇÃO DO AUTO DE INFRAÇÃO NA ESFERA JUDICIAL. DANOS MORAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL. ARTIGO 37, PARÁGRAFO 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 279 DO STF. AGRAVO INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. ARTIGO 85, § 11, DO CPC/2015. REITERADA REJEIÇÃO DOS ARGUMENTOS EXPENDIDOS PELA PARTE NAS SEDES RECURSAIS ANTERIORES. MANIFESTO INTUITO PROTELATÓRIO. MULTA DO ARTIGO 1.021, § 4º, DO CPC/2015. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO (ARE 1.094.603-AgR-ED/RS, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma). Isso posto, nego seguimento ao recurso (art. 21, § 1º, do RISTF). Com base no art. 85, § 11, do Código de Processo Civil, majoro em 10% os honorários advocatícios anteriormente fixados, observados os limites do art.
85, § 2º e § 3º, do CPC. Publique-se. Brasília, 25 de outubro de 2018. Ministro Ricardo Lewandowski Relator
(STF – ARE: 1156990 ES – ESPÍRITO SANTO, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 25/10/2018, Data de Publicação: DJe-231 30/10/2018)
Conclui-se, portanto, que, nos danos causados pelos entes estatais, a responsabilização do ente público deriva diretamente de preceito constitucional e independe de culpa, somente podendo ser afastada pela quebra do nexo de causalidade.
Portanto, não se discute que, por ato de seus agentes, responde o ente federativo independentemente de culpa.
Do objeto deste artigo
Surge então a questão nodal de nosso estudo: e quando o agente estatal, que ofende a honra de alguém, encontra-se coberto pelo manto da imunidade parlamentar, na forma do que estabelece o artigo Art. 53 da CR, in verbis:
Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.
Diante de tal garantia, deve-se estabelecer as seguintes premissas: a) as manifestações, ainda que tipificadas como crimes, proferidas pelo agente público estão integralmente protegidas pelo manto da inviolabilidade constitucional; b) caso protegidas, a imunidade parlamentar exime o ente estatal de indenizar pelos danos causados por seu agente.
De imediato surge uma figura distinta, que transborda a garantia constitucional de imunidade, representada pelas manifestações dos parlamentares fora do parlamento, em suas redes sociais e sem intuito de defesa do mandato.
Neste sentido, a imunidade não é absoluta ou pessoal, mas restrita a atuação do parlamentar e assim, não podem estar protegidas, não alcançadas, portanto,pela imunidade conferida pelo artigo 53 da CR.
Tal questão foi apreciada pelo Eg. STF, concluiu que:
“2. PREJUDICIAL DE MÉRITO (a) A imunidade parlamentar teve sua incidência afastada no caso ora em julgamento, por ocasião do recebimento da exordial acusatória. (b) A imunidade parlamentar exige, para sua incidência, que o ato incriminado tenha sido praticado in officio ou propter officio. Os atos delituosos praticados fora do recinto do parlamento e desvinculados do exercício da função não se encontram ao abrigo da imunidade material. Precedentes (Inq. 3932 e Pet 5243, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 9/9/2016; Inq. 3438, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, DJe 10/2/2015; Inq. 3672, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, DJe 21/11/2014; RE 299.109-AgR, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 1º/6/2011). (c) A veiculação dolosa de vídeo com conteúdo fraudulento, para fins difamatórios, conferindo ampla divulgação (rede social) a conteúdo sabidamente falso, não encontra abrigo na nobre garantia constitucional da imunidade parlamentar, insculpida no artigo 53 da Lei Maior, e que protege a liberdade e independência dos eleitos para defender suas opiniões mediante suas palavras e votos. (d) No acórdão de recebimento da inicial, restou assentado que “A liberdade de opinião e manifestação do parlamentar, ratione muneris, impõe contornos à imunidade material, nos limites estritamente necessários à defesa do mandato contra o arbítrio, à luz do princípio republicano que norteia a Constituição Federal”. (e) Prejudicial rejeitada”
Veja-se na íntegra:
Ementa: PENAL E PROCESSO PENAL. AÇÃO PENAL PRIVADA. CRIME DE DIFAMAÇÃO. ART. 139 DO CÓDIGO PENAL. PRELIMINAR DE INÉPCIA DA QUEIXA-CRIME REJEITADA. IMUNIDADE PARLAMENTAR. NÃO INCIDÊNCIA. PUBLICAÇÃO DE VÍDEO EDITADO MEDIANTE CORTES, ATRIBUINDO-LHE CONTEÚDO RACISTA INEXISTENTE NA FALA ORIGINAL. COMPROVAÇÃO DA MATERIALIDADE E DA AUTORIA. CONFIGURAÇÃO DO ANIMUS DIFFAMANDI. AÇÃO PENAL JULGADA PROCEDENTE. 1. PRELIMINAR (a) A inépcia da inicial acusatória, devidamente afastada pelo órgão julgador no recebimento da queixa-crime, é matéria preclusa. (b) In casu, constou do acórdão de recebimento da queixa-crime: “Da análise do vídeo em questão, é possível, a princípio, determinar o fato objetivamente imputado, não sendo este o momento adequado para se tecer maiores considerações sobre o mérito da controvérsia. Preenchidos, desse modo, os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal”. (c) Preliminar rejeitada. 2. PREJUDICIAL DE MÉRITO (a) A imunidade parlamentar teve sua incidência afastada no caso ora em julgamento, por ocasião do recebimento da exordial acusatória. (b) A imunidade parlamentar exige, para sua incidência, que o ato incriminado tenha sido praticado in officio ou propter officio. Os atos delituosos praticados fora do recinto do parlamento e desvinculados do exercício da função não se encontram ao abrigo da imunidade material. Precedentes (Inq. 3932 e Pet 5243, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 9/9/2016; Inq. 3438, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, DJe 10/2/2015; Inq. 3672, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, DJe 21/11/2014; RE 299.109-AgR, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 1º/6/2011). (c) A veiculação dolosa de vídeo com conteúdo fraudulento, para fins difamatórios, conferindo ampla divulgação (rede social) a conteúdo sabidamente falso, não encontra abrigo na nobre garantia constitucional da imunidade parlamentar, insculpida no artigo 53 da Lei Maior, e que protege a liberdade e independência dos eleitos para defender suas opiniões mediante suas palavras e votos. (d) No acórdão de recebimento da inicial, restou assentado que “A liberdade de opinião e manifestação do parlamentar, ratione muneris, impõe contornos à imunidade material, nos limites estritamente necessários à defesa do mandato contra o arbítrio, à luz do princípio republicano que norteia a Constituição Federal”. (e) Prejudicial rejeitada. 3. MÉRITO (a) In casu, (a) o Deputado Federal Jean Wyllys de Matos Santos imputou ao Deputado Federal Eder Mauro a prática de crime de difamação agravada (artigos 139 c/c art. 141, II e III, do Código Penal), consistente em publicação ofensiva à honra do querelante, divulgada na página do querelado no Facebook. (b) Com efeito, consta dos autos que, durante reunião da Comissão Parlamentar de Inquérito que apura a Violência contra jovens e negros pobres no Brasil, realizada em 14 de maio de 2015, da qual participaram tanto o réu como o Autor, este último, Deputado Federal Jean Wyllys, fez uso da palavra para tecer as seguintes considerações: “E aí a fala da Tatiana foi muito importante, porque ela traz essa dimensão histórica, que envolve a escravidão de negros; depois, a abolição, sem nenhuma política de inclusão no mercado de trabalho, a exclusão territorial; e, depois, toda uma produção de sentido que desqualifica essa comunidade como humana. Então, há um imaginário impregnado, sobretudo nos agentes das forças de segurança, de que uma pessoa negra e pobre é potencialmente perigosa, é mais perigosa do que uma pessoa branca de classe média. Esse é um imaginário que está impregnado na gente, uma dimensão aí. E os policiais partem desse imaginário” (pág. 37 das notas taquigráficas da CPI – Violência contra jovens negros e pobres). (c) Cinco dias depois, em 19 de maio de 2015, o réu, Deputado Federal Eder Mauro, publicou em seu perfil do Facebook um vídeo contendo trecho recortado da referida fala, previamente editado de modo a inverter seu conteúdo. No conteúdo fraudulento veiculado, o Deputado Federal Jean Wyllys aparece falando o seguinte: “Uma pessoa negra e pobre é potencialmente perigosa, é mais perigosa do que uma pessoa branca de classe média, essa é a verdade, então, dito isso…”. (d) Em síntese, o Réu é acusado de ter divulgado vídeo editado de modo a dolosamente atribuir-lhe conteúdo racista e preconceituoso, com finalidade de difamar a honra do Querelante. (e) O vídeo com trecho cortado e editado da fala do Parlamentar Autor foi publicado no Facebook e recebeu 14.834 aprovações (“curtidas”), 252.458 visualizações e 12.272 compartilhamentos. O conteúdo fraudulento somente foi excluído da página do Querelado Eder Mauro no Facebook por determinação da Justiça (decisão pública da 14ª Vara Cível de Brasília/DF, de 28 de agosto de 2015, disponível em: http://www.omci.org.br/m/jurisprudencias/arquivos/2017/df_00209599520158070001_28082015.pdf 4. (a) A defesa alega a veracidade do conteúdo do vídeo divulgado pelo réu, que tão-somente reproduziu trecho de debate parlamentar no âmbito de CPI da Câmara dos Deputados. (b) Nada obstante, o Laudo de Perícia Criminal 17.454/2017 (fls. 84/110) do Instituto de Criminalística da Polícia Civil do Distrito Federal, concluiu que “o vídeo questionado foi editado” e “que o processo de edição do vídeo questionado resultou na modificação da informação auditiva da fala do Deputado Jean Wyllys originalmente registrada no material padrão, conduzindo a uma compreensão diversa da realidade factual. Em outras palavras, o discurso do Deputado Jean Wyllys foi adulterado no vídeo questionado”. (c) O conteúdo original da manifestação sofreu vários cortes, após os quais passou a revelar conotação racista e preconceituosa, contrária ao seu sentido original. O fato de o vídeo veicular trechos da fala do Deputado Autor é o elemento especioso, precisamente o ardil empregado para conferir verossimilhança ao conteúdo, elemento mínimo de verdade necessário para impedir o público de duvidar da postagem e acreditar na mentira resultante da edição. (d) Depoimentos prestados em juízo certificaram o dano a honra do Autor: (d.1) “essas informações geraram um impacto substantivo e absolutamente negativo da fala do Deputado Jean Wyllys junto aos ativistas do movimento negro, aos ativistas dos movimentos sociais”; “Eu sou do Estado da Bahia, em que há uma força enorme do movimento negro, e eu, como militante, fui intensamente questionado por que não combati a fala do Deputado Jean. E eu tentava explicar que o contexto da fala não teria sido aquele produzido pelo vídeo” (depoimento do Deputado Federal Adalberto Souza Galvão); (d.2) “isso é um estrago muito profundo. Porque o deputado que tem esta bandeira, que é eleito com essa bandeira, que seu eleitorado aporta o voto, lhe oferta o voto em função desta bandeira que ele tem e isso é desse desconstruído através do vídeo” (depoimento da Deputada Federal Érica Kokay). (f) Simultaneamente, há prova nos autos do impacto sobre a imagem do Autor, como se extrai da ampla circulação conferida ao vídeo fraudulento a partir do perfil do Réu no Facebook, observando exclusivamente os dados existentes na sua página, a partir da qual houve o indevido propulsionamento do conteúdo falso. Ademais, a fraude revela nítido potencial de enganar os cidadãos que a visualizaram e de produzir discursos de ódio contra a fala indevidamente alterada, difamando seu opositor político. (g) Consectariamente, restou comprovada a materialidade do crime de difamação. 5. (a) A publicação em perfil de rede social é penalmente imputável ao agente que, dolosamente, tem o intuito de difamar, injuriar ou caluniar terceiros, máxime quando esteja demonstrado o conhecimento da falsidade do conteúdo. (b) Inviável desresponsabilizar autores de perfis utilizados para a disseminação dolosa de campanhas difamatórias, caluniosas ou injuriosas nas redes sociais, fundadas em conteúdos falsos. (c) É irrelevante, para fins de determinação da autoria, o anonimato do “criador do conteúdo” (editor ou programador visual, por exemplo) ou da terceirização das postagens (perfil administrado por um preposto) pelo titular do perfil utilizado para divulgar a notícia falsa. Revela-se bastante e suficiente, para fins de determinação da autoria dolosa, a demonstração do conhecimento do titular do perfil quanto à fraude do conteúdo e sua intenção de causar danos à honra das vítimas. 6. (a) No dizer de John Stuart Mill, opiniões equivocadas devem ser protegidas, enquanto tais, pois mesmo elas contribuem, no procedimento dialógico da sua refutação, para o debate e o esclarecimento da verdade: “(…) a opinião que se tenta suprimir por meio da autoridade talvez seja verdadeira. Os que desejam suprimi-la negam, sem dúvida, a sua verdade, mas eles não são infalíveis. Não têm autoridade para decidir a questão por toda a humanidade, nem para excluir os outros das instâncias do julgamento. Negar ouvido a uma opinião porque se esteja certo de que é falsa, é presumir que a própria certeza seja o mesmo que certeza absoluta. Impor silêncio a uma discussão é sempre arrogar-se infalibilidade”. E conclui: “Se a opinião é certa, aquele foi privado da oportunidade de trocar o erro pela verdade; se errônea, perdeu o que constitui um bem de quase tanto valor — a percepção mais clara e a impressão mais viva da verdade, produzidas pela sua colisão com o erro” (John Stuart Mill, On Liberty, capítulo 1). (b) A liberdade de expressão no debate democrático distingue-se, indubitavelmente, da veiculação dolosa de conteúdos voltados a simplesmente alterar a verdade factual e, assim, alcançar finalidade criminosa de natureza difamatória, caluniosa ou injuriosa. (c) A alavancagem de conteúdos fraudulentos, mediante artifício ardilosamente voltado à destruição da honra de terceiros nas redes sociais, revela alto potencial lesivo, tolhendo, até mesmo, o exercício de outros direitos fundamentais das vítimas – direitos políticos, liberdade de locomoção e, no limite, integridade física e direito à vida, não revelando qualquer interesse em contribuir para ganhos na construção de uma sociedade democrática. (d) As instituições democráticas e os objetivos fundamentais da República, anunciados no preâmbulo da Constituição de 1988, dependem da compreensão compartilhada no sentido de que, na letra da nossa Lei Fundadora, “nós, o povo brasileiro, nos reunimos para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias”. (e) A Constituição, no Estado Democrático de Direito, é o norte do Estado Juiz na verificação da regularidade do exercício do direito fundamental à liberdade de expressão. (f) A criminalização da veiculação de conteúdo com finalidade difamatória, caluniosa ou injuriosa não colide com o direito fundamental à liberdade de expressão, que resta protegida também nos casos de desconhecimento da manipulação fraudulenta do conteúdo, a caracterizar hipótese de erro, que exclui a ilicitude (artigo 20, §1º, do Código Penal). 7. (a) O delito contra a honra é de ação múltipla, conglobando não apenas a criação do conteúdo criminoso voltada à divulgação como também a sua postagem (“upload”, carregamento do vídeo na rede social) e a disponibilização de perfil em rede social com fim de servir de plataforma à alavancagem da injúria, calúnia ou difamação, tendo por elemento especial do tipo o dano à honra da vítima. (b) A autoria dos crimes contra a honra praticados por meio da internet demanda: (b.1) demonstração de que o réu é o titular da página, blog ou perfil pelo qual o conteúdo difamatório foi divulgado; (b.2) demonstração do consentimento, prévio, concomitante ou sucessivo, com a veiculação da publicação difamatória em seu perfil; (b.3) animus injuriandi, caluniandi ou diffamandi, que demandam a demonstração de que o réu tinha conhecimento do conteúdo fraudulento da postagem. 8. (a) In casu, a defesa sustenta duas teses com propósito de refutar ou gerar dúvida razoável quanto à autoria: (a.1) transfere para terceiros a responsabilidade pela edição; (a.2) transfere para terceiros a responsabilidade pela divulgação do vídeo em seu perfil no Facebook. (b) Em seu interrogatório judicial, o réu afirmou ter visualizado o conteúdo do vídeo e ter sido comunicado da respectiva publicação em seu perfil no Facebook. (c) Como fiz constar de meu voto de recebimento da Queixa-Crime, “Na lição especializada de Jacques Aumont e Michel Marie, na obra ‘Dicionário teórico e crítico de cinema’, a edição ou montagem ‘tem por objetivo guiar o espectador, permitir-lhe seguir a narrativa facilmente’ e ‘pode, também, produzir outros efeitos: efeitos sintáticos ou de pontuação, marcando, por exemplo, uma ligação ou uma disjunção; efeitos figurais, podendo, por exemplo, estabelecer uma relação de metáfora; […] entre outros’” (AUMONT, Jacques; MARIE, Michel. Dicionário teórico e crítico de cinema. 2ª ed. Campinas: Papirus, 2006, p. 196). (d) Restou evidenciado o conhecimento da edição voltada à adulteração do conteúdo por parte do Réu, porquanto se tratava de manifestação absolutamente contrária à proferida pelo parlamentar Autor, em debate do qual o próprio réu participou e cujo conteúdo era de seu inteiro conhecimento. Aliás, provou-se, no interrogatório judicial, a plena consciência do Réu de que o vídeo divulgado em seu perfil no Facebook, com centenas de milhares de visualizações, atribuía ao Autor, Jean Wyllys, ideias diametralmente opostas às que identificam a plataforma política deste parlamentar. (e) A divulgação do conteúdo fraudado, invertendo-lhe o sentido com finalidade de difamar o Autor, constitui etapa da execução do crime, estabelecendo a autoria criminosa do divulgador, a qual não exclui a do programador visual ou do editor responsável pela execução material da fraude, quando promovidas por outros agentes em coautoria. (f) A segunda linha argumentativa da defesa, que surgiu no interrogatório judicial, é a de que o vídeo foi divulgado por um ajudante no perfil do réu no Facebook. (g) A tese revela fragilidades, inabilitando-se como fonte de dúvida razoável quanto aos fatos: (g.1) a defesa não pediu a oitiva do mencionado ajudante nos autos na qualidade de testemunha e, demais disso, o réu alegou não se lembrar do sobrenome dessa pessoa, inviabilizando a confirmação da própria existência do álibi pelo juízo; (g.2) ainda que um “ajudante” houvesse, de fato, postado o vídeo fraudulento veiculador da difamação, a coautoria criminosa do titular do perfil do Facebook somente seria afastada se o réu desconhecesse o uso de sua página para a veiculação e, portanto, não tivesse consentido com o emprego de sua plataforma em rede social para alavancar campanha difamatória contra o Autor; (h) In casu, (h.1) o vídeo foi postado no perfil do acusado no Facebook; (h.2) o réu admitiu ter assistido ao vídeo; (h.3) o réu admitiu ter sido informado da postagem quando o vídeo foi disponibilizado em sua página no Facebook; (h.4) o réu sabia que o conteúdo não era fidedigno à fala do Parlamentar Autor e manteve, ainda assim, o conteúdo difamatório disponível em seu perfil no Facebook; (h.5) Conforme apontou a d. Procuradoria-Geral da República, o “vídeo só foi retirado de circulação após decisão judicial” (decisão pública da 14ª Vara Cível de Brasília/DF, de 28 de agosto de 2015, disponível em: http://www.omci.org.br/m/jurisprudencias/arquivos/2017/df_00209599520158070001_28082015.pdf (h.6) o vídeo fraudulento elevou a popularidade do réu na rede social utilizada, revelando número de visualizações superior à média de sua página, a revelar seu ganho pessoal com a campanha difamatória. (i) Os testemunhos colhidos durante a instrução da ação penal, corroboram a autoria criminosa, destacando-se os seguintes trechos de depoimentos prestados em juízo: (i.1) “Ah, sim, o vídeo que ele fez, porque ele dizia o seguinte: Mas ele falou isso, eu não falei nada, eu não divulguei nada que ele não tenha falado” (Deputada Federal Érika Kokay); (ii.2) “Com os debates, no âmbito da própria CPI, chegou-se… não posso afirmar, porque não vi ele produzindo a alteração, mas todas as informações levaram a um juízo de valor de que a autoria teria sido do próprio Deputado Éder Mauro” (Deputado Federal Adalberto Souza Galvão); (iii.3) “o primeiro pronunciamento dele sobre essa publicação era, justamente, reforçando a publicação, ou seja, ele foi ao Plenário da Câmara afirmar que eu havia dito aquilo que estava na publicação dele” (depoimento da vítima). 9. (a) O elemento subjetivo do tipo do crime de difamação é o animus diffamandi. (b) In casu, a defesa sustentou ausência de dolo de difamar, por dois fundamentos: (b.1) alegou que o vídeo “continha palavras do próprio querelante” e que estaria presente mero animus narrandi; (b.2) sustentou que os cortes realizados no vídeo tiveram finalidade exclusivamente técnica, com o único fim de reduzi-lo, para adequá-lo ao tamanho limite do suporte de mídia utilizado para veiculação. (c) as alegações não se sustentam: (c.1) primeiramente, restou demonstrado que, embora o vídeo reproduza trecho da fala do Querelante, o corte realizado inverteu-lhe o sentido, atribuindo-lhe conotação racista. O uso, pelo réu, de trechos da fala do próprio Parlamentar Querelante reforçou sua potencialidade difamatória, porquanto o único elemento de verdade contido no vídeo induziu o público à ilusão de que todo o conteúdo correspondia à realidade, típico artifício ardiloso empregado para a prática da difamação; (c.2) Portanto, ao contrário do que ocorre na divulgação regida por mero animus narrandi, que se caracteriza quando há desconhecimento de sua natureza fraudulenta, in casu o Acusado detinha todas as informações necessárias para conhecer o descompasso entre o discurso efetivamente proferido pelo Autor e aquele divulgado no vídeo por ele disponibilizado no Facebook, com adulterações aptas a inverter o sentido da fala e a conferir-lhe teor racista; (c.3) Inverossímil, ainda, a alegação defensiva de que os cortes realizados tiveram não finalidade difamatória, mas sim mera função de redução da extensão da fala do Deputado Querelante, para atender às exigências do suporte midiático utilizado para sua divulgação; (c.4) Deveras, se a intenção fosse unicamente reduzir o tamanho do vídeo, os cortes não teriam deturpado a fala do Querelante. Era possível excluir outros trechos da referida manifestação para atender ao propósito técnico, mas executou-se o corte cirurgicamente de modo a inverter diametralmente seu sentido. (d) Por fim, nas palavras da Procuradora-Geral da República, “caso o querelante estivesse realmente de boa-fé, tendo sido surpreendido com o fato, teria corrigido imediatamente e publicado alguma nota aclaratória e de desculpa sobre o ocorrido, atitude não tomada até o momento”. (e) conclui-se que as provas colhidas nos autos comprovaram, além de qualquer dúvida razoável, a materialidade e a autoria delitivas, assim como o elemento subjetivo do tipo. 10. Ex positis, julgo procedente a acusação para condenar o réu Éder Mauro pela prática do crime de difamação agravada. 11. (a) Em sede de dosimetria, considero presentes quatro circunstâncias judiciais negativas, a conduzir a pena-base para 9 meses de detenção; ausentes atenuantes e agravantes, aplico a causa de aumento prevista no art. 141, III, do Código Penal (afasto, nos termos do art. 68, parágrafo único, a causa de aumento do inciso II do art. 141), alcançando a pena definitiva o total de 1 ano de detenção, no regime inicial aberto, e multa, no montante de 36 dias-multa, no valor de 1 salário mínimo cada. (b) Diante da presença dos pressupostos legais, substituo a pena privativa de liberdade pela de prestação pecuniária (art. 45, §1º, do CP), consistente no pagamento de 30 salários mínimos à vítima, que fixo como montante mínimo para reparação dos danos causados
pela infração, nos termos do art. 387, IV, do Código de Processo Penal.
(AP 1021, Relator (a): LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 18/08/2020, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-254 DIVULG 20-10-2020 PUBLIC 21-10-2020)
Conclui-se, portanto, que as afirmações que representem ações típicas, proferidas pelo agente público, não estarão protegidas pela imunidade parlamentar esculpida no artigo 53 da Carta Magna, quando seu intuito for manifesta e estritamente difamatório, não encontrando respaldo na defesa de seu mandato, proferidas fora do parlamento.
Ainda que não se considere diferença entre a fala do parlamentar quando manifestada no parlamento e em suas redes sociais, aplicando-se o artigo 53 da CR de forma ampla e indiscriminada, deve-se considerar em qualquer hipótese, o dever de indenizar do ente federativo, conforme preceitua o artigo 37, §6º da Carta Magna, conforme se verá.
Dessa forma, ultrapassada a questão da não incidência do artigo 53 da CR ao caso suso mencionado, concluindo-se que as palavras proferidas pelos parlamentares estarão sempre e em qualquer circunstância insertas na inviolabilidade constitucional, ainda assim, não se poderia eximir o ente federativo do dever de indenizar, eis que não há entre os artigos 53 e 37, §6º da CR qualquer incompatibilidade, assim como não se pode apontar a existência de colisão entre os princípios da inviolabilidade da honra (artigo 5º, X da CR) e responsabilidade objetiva do Estado (artigo 37,§6º da CR) e o da inviolabilidade parlamentar por suas opiniões.
Observe-se que o que sustenta a pseudo colisão entre os princípios é o fato de que, imune o parlamentar dos efeitos civis e criminais de suas manifestações e ainda assim pendendo sobre ele o dever de regresso à União, no caso do pagamento de indenização por seus atos, conforme a segunda parte do já mencionado §6º do artigo 37 da CR, tal possibilidade INIBIRIA SUA ATUAÇÃO.
Do tema 950 afetado pela Repercussão Geral no STF
para que o tema 950 – Responsabilidade civil objetiva do Estado por atos protegidos por imunidade parlamentar, fosse afetado pela Repercussão Geral no Eg STF, veja-se:
6. De um lado, a imputação de responsabilidade civil objetiva ao Estado por opiniões, palavras e votos de parlamentares parece reforçar a ideia de igualdade na repartição de encargos sociais. Por outro lado, o reconhecimento desse dever estatal de indenizar por conduta protegida por imunidade material pode constranger a atuação política e o próprio princípio democrático.
7. Dessa forma, a harmonização entre o dever de reparação civil objetiva do Estado e a garantia de imunidade material para o exercício de mandato parlamentar é matéria de evidente repercussão geral, sob todos os pontos de vista (econômico, político, social e jurídico), tendo em vista a relevância e a transcendência dos direitos envolvidos num Estado Democrático de Direito.
Da Colisão entre direitos fundamentais e o princípio da harmonização
Insta socorrer-se de Alexandre de Morais (2003, p. 61), que assim reconhece:
“quando houver conflito entre dois ou mais direitos e garantias fundamentais, o intérprete deve utilizar-se do princípio da concordância prática ou da harmonização de forma a coordenar ou combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros, realizando uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual (contradição dos princípios) sempre em busca do verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com sua finalidade precípua.”
Nesta esteira, conclui-se que, sempre que possível, deve-se utilizar o princípio da harmonização para sanar a colisão entre princípios constitucionais.
Existem casos, entretanto que essa harmonização revela-se impossível, como explica Marmelstein (2008, p. 394):
“é nessas situações em que a harmonização se mostra inviável que o sopesamento/ ponderação é, portanto, uma atividade intelectual que, diante de valores colidentes, escolherá qual deve prevalecer e qual deve ceder. E talvez seja justamente aí que reside o grande problema da ponderação: inevitavelmente, haverá descumprimento parcial ou total de alguma norma constitucional. Quando duas normas constitucionais colidem fatalmente o juiz decidirá qual a que “vale menos” para ser sacrificada naquele caso concreto.”
A conclusão, portanto, é de que a aplicação do princípio da ponderação é subsidiária ao da harmonização entre princípios constitucionais conflitantes, ou colidentes, restando sua utilização estritamente quando a harmonização se mostrar impossível.
Retornando a hipótese em comento, verifica-se plenamente possível a harmonização entre os princípios citados, pois, se o que pode inibir o parlamentar ao exercício pleno de suas funções é a possibilidade de regresso em ações em que o ente federativo se vê obrigado a indenizar por atos alcançados pela imunidade parlamentar, a colisão não é entre a primeira parte do 6º do artigo 37 da Constituição da República, mas com a segunda parte, que assegura o direito de regresso, explica-se:
O princípio maior em jogo é a garantia da honra e da imagem do indivíduo, garantido pelo artigo 5º, X da Constituição da República, este violado gera o dever de indenizar, de reparar o dano.
Quando o causador do dano é um ente privado, não há dúvidas, deve indenizar; quando um agente público causa o dano, nasce para o Ente estatal o dever de indenizar por força da responsabilidade objetiva instituída pelo artigo 37, §6º da CR. Não há qualquer diferença constitucional na qualidade deste agente causador do dano.
O que se discute não é se a honra do indivíduo padece quando o causador do dano é um parlamentar, portanto, não se pode admitir que haja qualquer colisão entre esses princípios.
A colisão de fato existe entre a possibilidade de regresso estabelecida pela segunda parte do artigo 37, §6º da CR e o artigo 53 da Carta, veja-se:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.
Ora, não há qualquer dificuldade em harmonizar-se tais princípios, pois, uma vez violada a honra, nasce para o agressor o dever de reparar o dano, indenizando a vítima. Sendo o agressor um parlamentar e estando imune, para ele e SOMENTE PARA ELE, não há qualquer dever de indenizar uma vez que neste caso, caberá EXCLUSIVAMENTE AO ENTE FEDERATIVO o encargo, vez que a CONSTITUIÇÃO NÃO A EXIMIU DA RESPONSABILIDADE PELOS ATOS DE SEUS AGENTES, porém, o que se poderá questionar é a possibilidade de regresso dos valores despendidos, eis que com isso, aí sim, poderia, em tese, inibir a atuação do parlamentar.
Conclusão:
Ante o exposto, o direito a honra não pode ser desprezado pela imunidade parlamentar, mormente quando garante a Constituição da República a indenização pelo Ente Público pelos atos de seus agentes. A harmonização entre os princípios mencionados deve se dar com a impossibilitação de regresso ao agente que possui imunidade, permitindo a livre atuação, sem castrar a justa e garantida expectativa de quem foi lesado à justa indenização.